Artigo: Trabalho sério por trás de animais registrados e com dados genéticos

Thais Pires Lopa, coordenadora de Melhoramento Genético da ABHB
Artigo originalmente publicado no Informativo Pampa Pampiano 
Por Thais Maria Bento Pires Lopa – M. Sc. Méd. Veterinária/ Coordenadora do Setor de Melhoramento Genético da ABHB e da equipe PampaPlus

O incremento na produção mundial de alimentos foi grande parte resultado do uso de novas tecnologias disponíveis nos vários setores do agronegócio. Na pecuária, uma das ferramentas para alcançar maior ganho é o melhoramento genético, com o objetivo de melhorar os índices de produtividade e a qualidade dos animais, em sintonia com o sistema de produção e exigências do mercado. Isso resultou em maior eficiência e rendimento de kg/ha. Todavia, para atender a demanda crescente de alimentos e a padronização, a pedido de consumidores cada vez mais exigentes, é necessário continuar e aperfeiçoar esse trabalho dentro das propriedades, pois ainda há muito a se fazer.

Para isso, várias características de importância econômicas são mensuradas nos animais e analisadas pelos programas de avaliação genética, identificando o valor genético dos animais, apresentado ao criador na forma de DEP (Diferença Esperada na Progênie), que é uma medida relativa da diferença entre o desempenho médio dos filhos de um touro com desempenho médio dos filhos dos outros animais participantes da avaliação quando acasalados com fêmeas geneticamente semelhantes, ou seja, a DEP refere-se a parte do desempenho animal que tem herança genética.

O que enxergamos do animal (fenótipo do animal) é um resultado que depende:

– do genótipo do animal (que não enxergamos), para qual pai e mãe contribuem igualmente no momento da fecundação

– do ambiente no qual o animal é criado

– da interação genótipo x ambiente, que representa as expressões dos genótipos quando expostos a diferentes condições.

A estimação do valor genético do animal consiste em isolar os efeitos não genéticos, como por exemplo, o ambiente, que pode enganar o olho do selecionador, pois condições diferenciadas entre grupos podem mascarar a realidade, em termos de genética animal. Assim, quando deixamos o ambiente padrão a um grupo de animais, temos o desempenho do animal como um valor próximo à genética que será transmitida a sua progênie. Desta forma, é bastante recomendado após construímos o grupo de manejo não alterarmos esta formação até o momento da mensuração, dando assim a mesma oportunidade a todos os animais deste grupo para poder identificar a seu valor genotípico, sob efeito das mesmas variações do ambiente.

À medida que mais informações do animal são incluídas, como o desempenho de seus filhos, a acurácia desse valor genético vai aumentando, daí a importância do registro genealógico, ou seja, saber exatamente quem é filho de quem.

Atualmente, na realidade da nossa pecuária, infelizmente na maioria dos leilões de reprodutores e matrizes a gama de informações disponíveis dos animais com avaliação genética é muito pouco explorada ainda, imperando peso e perímetro escrotal, quase como únicos critérios de escolha. Dados esses de campo e normalmente coletados antes dos remates, o que desconsidera os ajustes da idade, do grupo contemporâneo e os efeitos não genéticos, como manejo nutricional e ambiente de criação, que interferem na genética e não são transmitidos aos filhos.

A escolha dos melhores indivíduos que serão pais das futuras gerações parece ser um processo simples, mas ao se escolher busca-se um indivíduo como um todo, com uma série de características, algumas bem complexas de serem avaliadas quantitativamente pela quantidade de genes que as influenciam. Então, imaginem apenas avaliando o exterior do animal, onde grande parte do que é visto não será necessariamente transmitido aos filhos. O conceito de melhor é sempre complexo e divergente e lembremos que ainda é preciso atenção à adaptabilidade e funcionalidade dos animais, considerando o sistema produtivo onde ficarão.

Quando se está adquirindo um reprodutor ou matriz com registro genealógico e dados genéticos está se adquirindo um “pacote tecnológico” onde há um trabalho sério de vários profissionais capacitados que acompanham o olho do proprietário. O nosso intuito é destacar aqui as principais fases desse trabalho que muitas vezes passa despercebido por quem adquire esse “pacote”.

Toda a fêmea e macho registrado passa no início de sua vida reprodutiva por uma avaliação de um técnico credenciado. Em algumas raças com o Hereford e o Braford, a fêmea tem que estar prenha para receber o registro definitivo e o macho é exigido o exame andrológico.

No período do acasalamento, como rotina, se identificam quais fêmeas permanecerão para serem acasaladas e quais os melhores touros para realizar esse acasalamento. No momento dessa seleção, aliado a avaliação visual, o fato de ter um relatório genético com o valor genético de cada animal do rebanho auxilia bastante a buscar os melhores reprodutores em termos de genética, de acordo com seus objetivos de seleção. Os critérios para eleger os touros pais são de grande importância, existindo diversos catálogos de centrais de genética e sumários de programas de avaliação genética com dados precisos que auxiliam o produtor.

Ressaltamos aqui a questão da importância do uso de animais adaptados ao nosso sistema de produção, ou seja, genética nacional. Muitas vezes observamos produtores escolherem genética estrangeira de Países com clima rigoroso, como neve na maior parte do ano, ou de Países com rebanhos muito menores que o nosso onde a pressão de seleção é bem menor, além do fato de não ter uma pecuária extensiva.

Após o nascimento dos produtos começa a fase de seleção tanto para fins de registro genealógico como para o programa de avaliação genética, sendo ambos realizados por técnico capacitado. Nessa fase temos o primeiro crivo, a seleção de acordo com critérios raciais, descartando para o registro aqueles que não se enquadram, mas mesmo assim coletando seus dados, pois para as avaliações genéticas essa informação é importante para conhecermos melhor seus pais.

A avaliação genética se dá especificamente no desmame e, uma segunda avaliação ocorre no pós desmame (sobreano), onde são coletados os dados de desempenho e as avaliações visuais através de notas.  Todas essas informações visam padronizar os biótipos, identificar os indivíduos geneticamente superiores em relação a população avaliada e a capacidade de transmitir isso a sua progênie.

Para facilitar a rápida identificação de uma DEP boa ou ruim foi introduzido nos sumários o uso das classes de percentil ou deca. O percentil ordena o animal em relação a seu grupo, ou seja, quanto menor o percentil mais bem colocado está o animal. Como exemplo, animal top 1% para ganho a desmama significa que ele é um dos 1% melhores da população para aquela característica.

Então um touro só será melhorador se tiver valores de percentis ou decas acima da média da população para as características de interesse do produtor, ou seja, animais que terão a probabilidade de produzir filhos, com desempenho médio, acima da média de todos os rebanhos participantes do programa, de forma prática, decas 4, 3, 2 e 1 ou percentis 49% ao 0,1%.

Para os animais estarem aptos há mais um crivo técnico, a seleção no momento de receber o registro definitivo, quando então está pronto para ser comercializado. Nesse momento são destacados os touros jovens que tiveram melhor desempenho com relação a todo o seu grupo contemporâneo, considerando o índice de classificação geral do seu respectivo programa de avaliação, sendo esses os candidatos a receberem a marca especial de seleção denominada Dupla Marca. No relatório genético, são os 30% melhores classificados pelo seu respectivo índice ou no caso dos demais programas os até Deca 3. Ou seja, é uma aposta para o futuro usar esse touro, pois significa que esse animal é melhor candidato a ser melhor em relação a toda a sua geração.

A avaliação genética facilita a identificação de indivíduos superiores e valoriza o trabalho dos inspetores técnicos de campo, pois à medida que a recomendação inicial de seleção deve se dar pelos relatórios genéticos, o técnico de campo tem então a incumbência de identificar dentro dessa gama de animais geneticamente superiores, quais os que tem características de importância racial, estruturais e funcionais para os sistemas de produção a campo.

Colaboradores:

Bruno B. M. Teixeira – MSc. Méd. Veterinário/ Consultor técnico do PampaPlus 

Marcos Yokoo – Sc.D. Pesquisador A – Melhoramento Genético Animal Embrapa Pecuária Sul e da equipe PampaPlus

Fontes: Melhoramento Genético Aplicado em Gado de Corte: Antonio Nascimento Rosa (et al), Embrapa, 2013, Manual do Programa PampaPlus, 2016 e site da Associação Brasileira de Hereford e Braford.

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